Sentei-me em um dos bancos
da praça, aquela praça que o Roque ousou fazer ali na entrada da Ilha dos
Valadares, antes um lugar feio e deplorável que o deixava com aspecto triste e
abandonado.
Ali fiquei por algum tempo, observando o movimento. Era hora da volta para
casa. Passavam centenas de pessoas de todas as idades; bicicletas, motos,
carros. Quem diria que o “Sítio das Almas”, como ficou conhecida a ilha, se
transformasse no que é hoje.
Eu, que cresci naquelas bandas, me sinto um insulano nato, pois, toda a minha
trajetória de vida está enraizada nas areias da localidade.
Os anos se passaram depressa, logo eu me vi adulto, e hoje, sessentão, só me
resta lembrar os bons tempos que vivi ao lado de grandes amigos, das
brincadeiras sadias nas tardes ensolaradas à beira da prainha do Vila Bela; das
festinhas americanas aos domingos à noite, dos encontros na escadaria da Igreja
ou do bate-papo no ‘Ponto da Lancha’.
Hoje, os mais novos não fazem ideia de como era a Ilha dos Valadares nos anos
60, 70 e meados dos anos 80. Não havia água tratada, só de poço ou de bomba;
ruas calçadas não haviam, nem ruas eram, mas caminhos arenosos. Luz elétrica
era sonho, pois tinha-se apenas luz dos lampiões a querosene ou gás (Liquinho).
Telefone, só um no Bar do Darci, onde hoje está a Secretaria Regional.
Ah!, quem poderia imaginar ver tantas moradias ou pontos comerciais, tantos
veículos circulando nas poucas e estreitas ruas centrais, calçadas pela
iniciativa do prefeito Roque.
Ilha dos Valadares dos apelidos, como Nelson “Abacate”, Nivaldo “Urso”, Nelson
“Gotera”, Henrique “Bem-te-vi”, Roberto “Leão”, Armando “Palongo”, Antoninho
“Libório”, Nilson “Chumbada”, Zeca “Periquito”, Maneco “Timbuva”, Antonio
“Pandeiro”, Antonio “Fumaça”, Dácio “Carudo”, Jairo “Sabiá”, Antonio
“Garacava”, Dorival “Navio” e tantos outros.
Valadares do velho Grupo Escolar, onde eu aprendi as primeiras letras e naquele
tempo, antes de adentrar as salas de aula, hasteava-se a bandeira nacional
entoando o hino pátrio. E ai daquele que não cantasse... Vinha a reprimenda da
professora encarregada. Certo dia, um aluno fez essa “façanha” e indagado
porque não cantava, saiu-se com essa: “Porque eu não sou brasileiro. Sou
paulista!”
Ainda no tempo da escola, durante a aula de português, outro amigo nosso,
levantou-se e olhando para o quadro-negro, disse: “Olá, gerúndio, como vai?”.
Ele ficou conhecido como J. Gerúndio.
São recordações de um tempo de ouro, tempo que não havia essa parafernália toda
da tecnologia, mas a gente era feliz e não sabia... como diz a canção.
A única diversão que a gente tinha, era assistir televisão na casa do
“Caravela”, o único aparelho que existia no lugar. Era uma verdadeira festa
para a petizada.
Hoje tem gente que reclama da ponte, mas naquela época nem ponte tinha. A
travessia do rio Itiberê era feita por bateiras, canoas e lanchas. Era um
“deus-nos-acuda”, mas ninguém morreu, que eu me lembre. Eu também faço parte dessa massa que integra a Ilha dos Valadares.
Texto: Clarício Araújo
Fotos: Edye Venancio
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