A Era Digital
viabiliza novos métodos de persuasão. Agora, não é mais preciso repetir uma
mentira mil vezes para que pareça verdade, como defendia o propagandista nazista
Joseph Goebbels. Com a ajuda da big data (grande conjunto de dados
armazenados), candidatos podem aferir desejos íntimos de cada pessoa, oferecer
mensagens personalizadas e adotar os formatos que mais lhe atraem. Tudo isso em
escala industrial.
O uso desse
tipo de técnica chamou a atenção durante a campanha eleitoral norte-americana.
No Brasil, a utilização da big data por políticos está só começando.
Responsável pela campanha virtual de Donald Trump, a empresa Cambridge
Analytica já está em atividade também no Brasil, onde firmou parceria com a CA
Ponte. Entre os serviços oferecidos, estão, segundo o site da empresa, pesquisa
de mercado, para descobrir “como a sua audiência pensa e se comporta”;
integração de database para centralizar “seus diferentes bancos de dados para
trazer muito mais valor a eles”; data analytics, que permite conhecer
“profundamente a sua audiência”; segmentação da audiência, a fim de prever
“segmentos da população com maior afinidade com a sua campanha” e comunicação
segmentada, desenvolvendo “campanhas multi-canais para engajar segmentos
prioritários”.
Assim como a
CA Ponte, várias empresas disponibilizam serviços desse tipo. Até a eleição
passada, o pagamento pelo impulsionamento de publicações para determinados
públicos na rede não era permitido. A reforma eleitoral permite o
impulsionamento, mas ainda há controvérsia. O texto aprovado pelo Congresso
Nacional dispõe que é “vedada a veiculação de qualquer propaganda paga na
internet, excetuado o impulsionamento de conteúdos”.
No dia 18 de
dezembro, o TSE divulgou resoluções que detalham as regras eleitorais e manteve
limites à propaganda na internet. De acordo com o tribunal, as propagandas
somente poderão aparecer nos sites de candidatos, partidos e coligações, sendo
vedada em páginas que pertençam a pessoas físicas ou empresas privadas. Todas
as resoluções podem ser modificadas até o dia 5 de março, prazo final para
publicação das regras eleitorais.
Antes, o
contato com os eleitores ocorria essencialmente “de forma analógica”, a começar
pelo diálogo direto com a população, o chamado corpo a corpo. Além disso,
pesquisas feitas por diferentes institutos buscavam captar informações sobre os
eleitores.
Há, contudo,
diferenças questionáveis em relação ao que era feito e o que tem passado a ser
viabilizado pelas novas tecnologias, na opinião do coordenador da Academia
Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep), Fernando Neisser, é que,
antes, todos esses materiais poderiam ser conhecidos, o que permitia aos
eleitores saberem as ideias dos políticos. Agora, eles podem escolher
apresentar conteúdos para uns, sem que outros tomem conhecimento disso.
Na principal
rede social existente no Brasil, essa estratégia ocorrer por meio do chamado
dark post. Trata-se de uma publicação patrocinada segmentada para um grupo
específico de pessoas e que não aparece na timeline da página que gerou esse
conteúdo. Isto é, um candidato pode dizer que defende a legalização da maconha
para pessoas que concordam com essa ideia e falar exatamente o contrário para
aquelas que discordam, sem que essas opiniões sejam visíveis para quem procurar
na página dele informações sobre propostas.
Além de afetar
o eleitor individualmente, o direcionamento excessivo pode prejudicar o debate
na sociedade. É o que aponta a integrante da organização Actantes, Patrícia
Cornils. “Tomemos como exemplo o Jornal Nacional. Todos nós podemos assistir e,
a partir disso, construir uma crítica ou uma concordância sobre os conteúdos.
Já essa propaganda direcionada é absurdamente fragmentada. Só quem está fazendo
e direcionando sabe quem a está recebendo. Como é que você cria um debate
público sobre as políticas?”
O tema foi
discutido durante o Seminário Internet e Eleições, promovido pelo Tribunal
Superior Eleitoral (TSE) este mês. O tribunal, que criou Conselho Consultivo
sobre Internet e Eleições, escutou de especialistas propostas para garantir um
pleito democrático e transparente. Nesse sentido, Fernando Neisser propôs que a
regulamentação do novo artigo da reforma eleitoral que libera o impulsionamento
de publicações na internet aborde essa questão, fixando que “os candidatos
podem impulsionar conteúdos, desde que eles sejam públicos”.
Dados pessoais
Para que o
direcionamento seja efetivo, diferentes empresas usam os dados que todos
produzimos ao clicar em anúncios e visitar sites, entre outras ações dentro e
fora da rede. À Agência Brasil, o Facebook informou que não vende dados
pessoais dos usuários. O próprio administrador de uma página, contudo, pode
saber quem e quando acessou determinada página; se posts com vídeos ou fotos
obtiveram maior alcance etc. E as empresas de big data trabalham a partir desse
tipo de informação, cruzando-as com outros bancos de dados.
Para Patrícia
Cornils, os usuários brasileiros “estão
extremamente vulneráveis” a esse tipo de prática comercial porque não há, no
país, leis voltadas à proteção dos dados pessoais. A Actantes e outras
organizações articuladas em torno da campanha Seus Dados São Você cobram a
aprovação de medidas que possam garantir privacidade e controle dos cidadãos
sobre suas próprias informações. O cenário eleitoral poderia ser mais
transparente e democrático “se você tivesse uma lei de proteção que definisse a
autonomia dos usuários sobre os dados, a transparência das empresas e também
criasse a possibilidade de denunciar abusos”, pondera.
No Congresso
Nacional, tramitam diversos projetos sobre o tema. O principal está em análise
na Câmara dos Deputados, que criou uma comissão especial voltada a analisar o
PL 5276/2016, que dispõe sobre o tratamento de dados pessoais para a garantia
do livre desenvolvimento da personalidade e da dignidade da pessoa natural.
Para que essa proteção seja desenvolvida também pelos próprios usuários, a
organização Artigo 19 criou uma série de vídeos ensinando como se proteger ao
utilizar jogos, buscadores e aplicativos.
Não vale tudo
Preocupadas
com o uso abusivo das tecnologias nas eleições, diversas organizações – entre
as quais o Instituto Update, AppCivico, a InternetLab e a Agência Lupa –
lançaram uma campanha intitulada Não Vale Tudo. Na carta que apresenta a
iniciativa, destacam que o uso de dados é valioso para potencializar o diálogo
entre candidatos e cidadãos, mas que seu uso deve ser realizado com
responsabilidade. “Somos contra o roubo ou compra de dados de terceiros sem
consentimento. Precisamos ter certeza de que a coleta de dados pessoais é o
resultado da mobilização da campanha, sendo tais informações cedidas de forma
consciente e informada”, informa o texto.
As
instituições argumentam que é preciso que os cidadãos tenham acesso a
informações detalhadas sobre que tecnologias os candidatos utilizarão nas
eleições. Integrante da AppCivico, Thiago Rondon propôs, durante seminário no
TSE sobre internet e eleições, no início deste mês, que essa lista seja cobrada
na prestação de contas dos candidatos. Entre os itens que deveriam ser
informados, estão: softwares, aplicativos, infraestrutura tecnológica, serviços
de análise de dados, profissionais e empresas envolvidas na construção e
consultoria da nossa campanha. “Além da prestação de contas financeira com
doações e fornecedores, é necessário também uma transparência detalhada das
tecnologias utilizadas em uma campanha”, diz outro trecho da carta.
Facebook
Participante
do Seminário Internet e Eleições, a representante do Facebook, Monica Rosina,
disse que a empresa colabora com a Justiça brasileira e que tem desenvolvido
mecanismos para dar mais informações sobre a publicação de anúncios na rede.
Citando o
Marco Civil da Internet e sua política de limitar a responsabilização das
plataformas pelos conteúdos postados por terceiros, ela argumentou que “não cabe ao Facebook, como ente privado,
substituir o papel do juiz, que é o de decidir quanto à licitude ou ilicitude
de tal conteúdo”.
A empresa, de
acordo com Rosina, tem acatado as decisões judiciais e dialogado com o TSE
sobre as novas regras. Nesse sentido, elogiou proposta, em discussão na corte,
de apontar a necessidade de apresentação do endereço virtual, a URL, como
requisito para validade de ordens judiciais que prevejam a remoção de
conteúdos.
Com esse
mecanismo, se um conteúdo for apontado como violador de direitos, apenas ele
poderá ser indicado e suprimido, se for esta a decisão judicial. Para a
advogada, esse tipo de ação preserva o equilíbrio entre a liberdade de
expressão e outros direitos, além de garantir celeridade no cumprimento das
ordens.
Questionada
pela Agência Brasil sobre a possibilidade de veto ao chamado dark post, a
empresa indicou que tem ampliado seus mecanismos de transparência e que eles
devem ser testados no Canadá. Não há previsão para adoção deles no Brasil.
Em resposta à
Agência Brasil, a empresa Google afirmou que não tem serviço exclusivo e dedicado
a candidatos. Questionada sobre a possibilidade de eles contratarem serviços
que priorizem a própria aparição no mecanismo de buscas, a companhia detalhou
que foram feitas mudanças no rankeamento das informações. “Combinamos centenas
de indicadores para determinar quais resultados mostramos para uma determinada
busca – dos conteúdos mais recentes ao número de vezes que seu termo de busca
aparece na página. Ajustamos nossos indicadores para ajudar a trazer páginas
mais confiáveis e rebaixar conteúdo de má qualidade”, diz a companhia.
Em relação aos
anúncios, acrescentou que os resultados de pesquisa são exibidos como links em
páginas de resultados e não fazem parte das soluções de publicidade do Google,
ao passo que os comerciais são exibidos com o rótulo "Anúncios" e
podem ser dispostos em locais próximos aos resultados de pesquisa gratuitos. A
companhia publicou na rede o relatório Como Combatemos Golpes, Anúncios e Sites
Enganosos em 2016.
A Google
também foi questionado sobre sua política de tratamento de dados pessoais. Ela
disse que não vende dados de usuários e que os utiliza “para exibir anúncios
que sejam úteis aos usuários, conforme as configurações de anúncio escolhidas
pelos próprios usuários, mas não vendemos dados pessoais”. A íntegra da política
de privacidade adotada atualmente está disponível na internet.
A Agência
Brasil entrou em contato com a CA Ponte, mas foi informada de que o porta-voz
da empresa não tinha agenda disponível para entrevista.
Fonte: Agência
Brasil