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Relato de uma garota de programa em Paranaguá há 20 anos atrás


"Já fiz programa em boates aqui de Paranaguá e naquela época era muito difícil, mais ainda do que é hoje, a idade vai chegando e quem conseguiu alguém acabou saindo daquela vida, eu não tive essa sorte, mas saí e hoje vivo como diarista, ganhando um dinheirinho aqui e ali, sem precisar fazer o que fazia".
  
Essa é uma parte da conversa que eu tive com uma ex garota de programa que acabei conhecendo caminhando pela Rua da Praia, em Paranaguá, enquanto me dirigia ao centro da cidade. 
Ela me acompanhava, enquanto observava os casarios praticamente abandonados e a nossa conversa começou da seguinte forma: 

_Você sabe se um dia vão melhorar essa vista bonita que temos e que um dia já foi o cartão postal da cidade moço?
_ Oi, tudo bem? Essa Rua da Praia, pelas informações que eu obtive, vai acontecer um dia e o entorno do aquário já está sendo revitalizado. 

Continuamos a conversar e ela começou a dizer que costumava caminhar por ali quando era mais jovem, que a cidade há uns anos atrás era bem movimentada principalmente no período da noite, os bares viviam sempre lotados e ela costumava frequentar as boates citando "Maria Bonita" no bairro Rocio e também o "Conquistador" na região da Boca da Barra.
  
"Tinha gringo de vários países e aprendemos algumas palavras em inglês que facilitava a nossa conversa com eles. Want some fun?, perguntávamos se eles queriam se divertir e claro que a resposta era sim e pagavam bem por um bom programa, além da bebida, táxi e motel, todos ganhávamos. Era em 1996, naquela época fiz muitas amizades, gente da alta classe, políticos, autoridades, vivíamos em festas particulares e eu era uma das "gostozudas". Vinham meninas de Santa Catarina, São Paulo, Rio de Janeiro, aqui da cidade e até da Ilha dos Valadares, os taxistas pegavam elas ali na ponte e as levavam até a boate e lá cada uma sabia o que fazer. Não tínhamos problema com cafetão, cada um ganhava o seu, todos ganhavam. Pode perguntar para o taxista Chileno que ele te conta mais, Chileno é das antigas, muito amigo das meninas"
  
Disse que morava na Ilha dos Valadares e gostaria de saber quem eram as meninas que viviam aquela época de ouro da cidade e ela me contou muita coisa, claro, citando alguns nomes, muitas hoje casadas e vivendo a sua vida. Confesso que fiquei de boca aberta quando ouvi suas histórias e soube quem as são. 

_Até fulana?
"Sim, ela inclusive, nem parece né? Todos nós temos passados, muitas vezes vem à tona e surpreende a todos. Essa ai era bonita, hoje parece uma bolofa, cara inchada, corpo arredondado, mas seu jeito estúpido continua o mesmo, mas ela sabe disfarçar e bem".  
_Essa era amiga daquela?
_Sim, muito amigas, andavam juntas, pegavam o taxi na ponte e faziam a correria, depois brigaram, não se falam mais, mas uma sabe do passado da outra e mantem o silêncio.

Ela pediu para eu não citar o seu nome e como prometi não farei isso, embora desconfie de que o nome que ela me deu não seja o seu, afinal, ela apareceu do nada e começou a me contar sobre a sua vida.

_ O tempo passa para todos, comparando a Paranaguá de antes com a de hoje, muita coisa mudou?
_ O tempo passou, passa para todos né, algumas amigas eu soube que acabou morrendo por causa da aids, perdi o contato com outras, algumas arrumaram uns gringos e refizeram a sua vida fora daqui, outras acabaram ficando velhas e perdendo espaço para as novas. Outras arrumaram um bobo, casaram, engravidaram, tiveram filhos, mas aquele desejo de beber, de estar na noite ainda continua. Não é a toa que muitas passaram a beber de forma contínua, deve ser de remorso pela vida que viveram.
Eu envelheci, como você pode ver, saí daquela vida há muito tempo, casei, tive duas filhas, hoje elas estão casadas, felizes, estou trabalhando de diarista, tenho um companheiro e vivo a vida nessa cidade que mudou muito, hoje não se pode sair a noite, a bandidagem toma conta, há muito pouca segurança ou quase nada e para não ser assaltado por um usuário de droga, prefiro ficar em casa".

_ E o comportamento das pessoas, mudou muito, não em relação a prostituição, mas no dia a dia, no caso dos jovens de hoje?
_ Mudou muito, antes existia muito respeito, não com as garotas de programa, éramos vistas como "bocas de rango", mulher que se pega fácil, desculpe, mas era assim que éramos vistas. Os jovens de antes eram mais educados, hoje banalizou-se, o que mais se vê é gente usando drogas, bebidas, perto de casa, aqui no Tutóia, é só vir a noite, para ver se tô mentindo. Falta respeito, a droga se espalha, tenho medo do futuro.
  
A minha conversa com ela foi rápida, agradeci o papo e pedi autorização para postar isso no blog e ela me disse que sem problema, pois já passou muito tempo essa história e é bom os mais jovens tomarem conhecimento disso.
  
"Pode sim, a juventude precisa conhecer a história da nossa cidade, há muitas pessoas que posam de santas, mas o passado delas poderia virar um livro se aquelas histórias do Conquistador viessem a tona. Escreva como lhe contei, se os interessados conversarem com as pessoas mais velhas irão descobrir muito mais coisas ainda, pois afinal, muitos frequentavam esses lugares, muitos gastavam o seu dinheiro com a gente e muitas amizades fizemos, pena que o tempo passa para todos. Tenho amigos, ex taxistas daquele tempo que pode confirmar o que eu disse e até contar mais. Converse com o taxista Chileno, esse tem histórias e nomes. 
Não sinto vontade daquela vida e nem se quer recomendo para quem ficou encantado com o que eu disse, é uma vida difícil, perigosa e sem futuro. Que a juventude estude, deixe essa ilusão de droga e sexo para lá e construa uma cidade melhor para as futuras gerações pois se passaram 40 anos e a cidade permanece parada no tempo, do mesmo jeito e sem futuro. Paranaguá é conhecida por oferecer sexo fácil por grana fácil, eu me arrependo do que fiz, mas o meu passado poderá ajudar a mudar a realidade de muitos que sonham em ser o que um dia eu fui e acabei assim".

Não sei quem é essa senhora, só vi essa única vez e espero um dia revê-la e explorar mais ainda essas histórias de nossa cidade que muitos desconhecem e que são fascinantes. Valeu a pena perder quase uma hora sentado num dos bancos próximo ao ponto de embarque para Guaraqueçaba e ouvi-la contar sobre a prostituição em Paranaguá da sua juventude e como era ser garota de programa naquela época.



Texto: Edye Venancio
Foto: Google Maps/YouTube