Desde que lésbicas, gays, bissexuais e transexuais
reagiram à violência da polícia de Nova York contra o bar Stonewall Inn e
protestaram por direitos civis - movimento que completa 50 anos hoje (28) -
nenhuma década teve avanço tão rápido nos direitos homoafetivos no mundo quanto
os últimos 10 anos. Dos 54 países que permitem casamentos ou uniões civis entre
pessoas do mesmo sexo, 39 implementaram a mudança entre 2009 e 2019, período em
que o reconhecimento das uniões homoafetivas mais do que triplicou no mundo.
A Associação Internacional de Gays, Lésbicas
Bissexuais, Transgêneros e Intersexuais (Ilga) contabilizava em 2009 sete
países que permitiam o casamento entre pessoas do mesmo sexo (Bélgica, Holanda,
Noruega, Espanha, Suécia, Canadá e África do Sul) e oito (Dinamarca, Finlândia,
Alemanha, Islândia, Suíça, Reino Unido, Nova Zelândia e Colômbia), a união
civil, com todos ou praticamente todos os direitos do casamento. No
levantamento de 2019, divulgado em maio, já chegava a 26 o número de países que
permitia o casamento civil e a 27 os que previam união civil. A lista cresceu
este mês com a aprovação do casamento homoafetivo pelo Equador.
Diretor da Ilga no Brasil, Beto de Jesus lembra que
o resultado dos últimos dez anos é fruto de décadas da luta LGBTI, que teve em
Stonewall um de seus primeiros marcos históricos.
O avanço dos direitos homoafetivos se deu
principalmente nas Américas e na Europa, continentes em que grande parte dos
países já possibilita casamentos ou uniões entre pessoas do mesmo sexo. Outras
regiões entraram na lista como a Austrália, Taiwan e Israel. Na África, a
África do Sul continua a ser a única nação que permite uniões civis
homoafetivas.
Para o diretor da Ilga, houve uma irradiação de
políticas implementadas pelos países pioneiros, que foi fortalecida nos últimos
dez anos com as facilidades criadas pela internet, permitindo a troca de
experiências bem-sucedidas por ativistas e políticos de diversas
nacionalidades. "Tem um efeito de indução. Quando você começa a perceber
que é possível acontecer, pensa por que não aqui. Isso falando das democracias",
diz Beto de Jesus, lembrando que muitos dos primeiros países a aprovarem o
casamento homoafetivo ou a união civil já serviam de exemplo de políticas
públicas em outras áreas.
"Não posso ficar lutando para que gays só
tenham acesso ao casamento, se não tiver casa, escola, saúde. A gente não quer
ter só direito de beijar na boca, quer ter direito a um sistema público de
saúde que me atenda, a uma escola em que meus filhos possam frequentar sem ser
discriminados. A vida da gente é igual à de qualquer cidadão".
A comparação entre os relatórios da Ilga de 2009 e
2019 mostra ainda que o número de países que permitem a adoção por casais
homoafetivos saltou de 10 para 27, lista que também inclui principalmente
países das Américas e Europa - com as exceções da Austrália, Nova Zelândia,
África do Sul e de Israel.
Entre 2009 e 2019, cresceu ainda o número de países
que tipificaram crimes de ódio contra LGBTI, de 17 para 42, além de haver mais
países que consideram ilegal incitar o ódio LGBTfóbico, grupo que aumentou de
17 para 39. Discriminar LGBTs no trabalho também já é ilegal em 73 países,
número bem maior que os 48 que eram contabilizados em 2009.
O Brasil entrou recentemente na lista de países que
criminalizam a LGBTfobia, com a decisão do Supremo Tribunal Federal, do último
dia 13, que equiparou a discriminação a LGBTs ao crime de racismo. Autor da
ação protocolada pelo PPS que foi a julgamento no Supremo, o advogado Paulo
Iotti conta que experiências de outros países fizeram parte do processo de
fundamentação da ação, que levou à decisão na corte brasileira. "Nas
ações, eu cito leis de outros países, que criminalizaram a homotransfobia por
intermédio da inclusão das expressões "orientação sexual" e
"identidade de gênero" nas suas Leis de Crimes de Ódio. Nossa Lei
Antirracismo é equivalente a elas. Citei também decisões de tribunais
internacionais (Corte Europeia de Direitos Humanos e Tribunais de outros
países) mantendo condenações criminais homotransfóbicas, como compatíveis com
os direitos humanos", explica.
Iotti criticou a omissão do Congresso Nacional no
que diz respeito à proteção da população LGBT, o que também foi apontado pelos
magistrados da Suprema Corte. "É lamentável que o Congresso Nacional ainda
não tenha se dignado e reconhecer a plena humanidade, dignidade e cidadania da
população LGBTI+, já que nunca aprovou uma lei protetiva de nossa
comunidade", afirma ele, que também atuou nas ações que levaram à
aprovação do casamento homoafetivo e à permissão para que transexuais mudem seu
nome na carteira de identidade. "O Judiciário faz parte da democracia, que
não se limita a maiorias. Democracia não é ditadura da maioria, mas regime
político que respeita direitos básicos de todas e todos, mesmo que minorias,
direitos esses fixados na Constituição e tratados internacionais de direitos
humanos".
Pena de morte e prisão perpétua
Se em 54 países os homossexuais e bissexuais já
podem ter suas relações reconhecidas legalmente, em 68 ter relacionamentos
homoafetivos ainda é considerado crime. Apesar de esse número ter caído em
relação a 2009, quando 80 países criminalizavam pessoas que se relacionassem
com o mesmo sexo, a lista inclui nações que preveem pena de morte e prisão
perpétua para homossexuais, como o Sudão, a Arábia Saudita, o Irã e Paquistão.
Beto de Jesus destaca que regimes menos
democráticos, combinados com a mistura entre fundamentalismo religioso e
Estado, continuam a ser os principais entraves ao avanço dos direitos LGBT na
Ásia e na África.
"Tem um forte apelo pela questão da Sharia
[Lei Islâmica] na maioria desses países. É uma coisa que a gente precisa levar
em consideração. Quando o Estado usa do aparato da religião e se mistura a ele,
fica muito mais complicado, muito mais difícil".
Fonte: Agencia Brasil/Vinicius
Lisboa
Foto: Nacho
Doce/Reuters /Direitos Res